sábado, 27 de junho de 2009

Hemingway o parisiense


É sempre um prazer ler um bom livro. E se o livro é de Ernest Hemingway, o prazer é redobrado. E se o livro fala de Paris ,estamos nos aproximando perigosamente de um lugar na linguagem que só pode ser descrito por um "Ernest Hemingway". É precisamente isso que ocorre com esse livro magnífico: "Paris é uma festa". Esse livro descreve como nenhum outro um período estranho da vida do autor e da história do mundo em que vivemos. Um tempo de virada de maré na história a que tristemente estamos acorrentados.

Acabei de terminar de ler e devo confessar que a tranquilidade com que ele escreve e a maneira precisa e cortante com que ele aborda qualquer assunto, desde uma guerra até sua própria vida doméstica, com uma riqueza de detalhes sem par - porém, sem ser prolixo - faz dele sem sombra de dúvida o melhor escritor americano de todos os tempos. Hemingway é um escritor absurdo, é um gigante das pequenas coisas é um mestre da aquarela literária.

De uma certa forma e num sentido estranho, ele é um escritor realista, um sujeito que começou como jornalista e enfim se voltou para o que é realmente importante, o que vai além da notícia do dia, e de fato cria todas as notícias: o interesse humano e sua complexa simplicidade. Porém, o realismo de Hemingway é permeado de uma luz... é bem isso. Uma luz brilhante num céu de baunilha numa primavera amena.

Para finalizar, uma das pérolas do livro: A inocência é a mãe dos piores pecados.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Instinto

Instinto*

Substantivo masculino


1. Impulso interior que faz um animal executar inconscientemente atos adequados às necessidades de sobrevivência própria, da sua espécie ou da sua prole.


2. Padrão inato, não aprendido, de comportamento, comum aos membros de uma espécie animal. Ex.: as abelhas fazem suas colméias sempre iguais por instinto.


3. (Psicologia) Esquema de comportamento herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro ou no tempo e que parece cumprir uma finalidade.

4. (Derivação) Freqüentemente. Impulso interior, independente da razão e de considerações de ordem moral, que faz o indivíduo agir, esp. se a ação é anti-social.


5. Faculdade de sentir, pressentir, adivinhar, que determina certa maneira de pensar, de agir; intuição. Ex.: meu instinto está me avisando para ficar hoje em casa.


6. Tendência natural para alguma atividade; talento, aptidão, inclinação.


7. (Psicanálise). Mesmo que pulsão.


Podemos considerar instinto como uma resposta, inata, imutável e automática a determinada situação.


O ser humano não faz a menor idéia do que seja um instinto seu. Algo que, de fato, podemos, com segurança, atribuir a uma resposta instintiva. Mesmo respostas que podemos considerar instintivas por natureza não podem ser assim consideradas, como, por exemplo, o ato de fugir diante de um perigo imediato. Nós humanos necessitamos aprender a considerar algo como perigoso, caso contrário não o consideramos assim. Ao contrário de nossos irmãos mamíferos que, em sua maioria, ao nascer estão plenamente aptos a distinguir o que é perigoso do que não é. A espécie humana não tem um comportamento padronizado que pode ser considerado herdado e que se aplique a toda a espécie.

A resposta pulsional de Freud é no máximo uma atenuação do instinto, ao criar o inconsciente ele tira a responsabilidade última do homem de seus atos, justificando o comportamento desajustado com uma falha que está além do indivíduo saná-la. E com certeza a pulsão não pode ser estendida a toda a espécie. Pulsionar uma atitude nada mais é do que justificar a revolta pessoal contra a pressão exercida pela educação no individuo.

Revolta essa que se bem analisada pode ser plenamente consciente. Exatamente como são conscientes os atos instintivos daqueles indivíduos que querem seguir seus instintos, mas não conseguem sair de seu emaranhado teórico-conceitual e decidir o que vêm a ser suas vontades instintivas.


O colapso ecológico e social que tem acometido o planeta, causado pela espécie humana, provoca em muitas pessoas o desejo de se tornar mais natural, de agir mais de acordo com seus instintos. Essa vontade se manifesta em diversas áreas do cotidiano, mas age principalmente no que eles poderiam chamar de instinto sexual, que como todos os outros é apenas uma concepção do que deveria ser esse instinto, e após as descobertas da primatologia comparada, essa concepção tem se tornado cada dia mais simiesca, numa tentativa de justificar suas vontades.


O que ocorre ao tentarmos dar vazão aos instintos, visto não existir um instinto que pode ser considerado humano, é que em lugar de dar vazão a instintos reais seguimos o que pensamos ser instintos. Formulamos uma concepção de instinto de acordo com o que acreditamos ser a coisa mais natural a fazer e fazemos. Neste ato podemos perceber a contradição fundamental dessa atitude. Pensar o instinto é não ser instintivo.


Da mesma forma a expressão “reprimir os instintos” é uma contradição, já que o instinto é, por definição, o que não pode ser reprimido. Justificar um ato de vontade com um instinto é não querer assumir a responsabilidade e as conseqüências de seus atos. É justamente isso que tem causado o colapso ecológico-social que temos vivido, já que, aparentemente, a espécie humana não pode deixar de agir de forma destrutiva e egoísta, porque esse parece ser um comportamento mais ou menos homogêneo na espécie.


Definir o que vem a ser vontade é assunto para outro artigo, mas a vontade do homem é soberana sobre seus atos e, a menos que haja erro, o que uma pessoa faz é exatamente o que quer fazer. Assumir essa vontade é a primeira atitude para o amadurecimento intelectual necessário tanto à espécie quanto ao indivíduo.


Como animais, é bastante provável que nós tenhamos instintos, e isso é óbvio, mas esses instintos são exatamente a parte de nosso comportamento que não questionamos. A parte que para nós não aparece. Ele está de tal forma incorporada à nossa vontade e ao nosso comportamento que é invisível. A espécie humana nunca deixou de agir de acordo com seus instintos, porém esses instintos não são, e já há bastante tempo, suficientes para suprir as necessidades humanas, e a parte substancial de nossas escolhas deve ser tomada conscientemente e com o único auxilio da razão.


Cássio Silveira Gomides


05/02/2008

*Acepções retiradas do Houaiss.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Victor Hugo, o humano


Houve um tempo em que ser humano era uma coisa simples. Victor Hugo deixou um legado literário do que vem a ser um ser humano. Podemos dizer que no final do século XIX, ser humano era ser um personagem de Victor Hugo. E por esse motivo não falarei disso neste post. Vou abordar os aspectos de sua literatura que mais me agradam a título de introdução ao seu pensamento.

Victor Hugo é acima de tudo um romântico, talvez o maior deles, e por isso seus textos tem uma compreensibilidade para todas as pessoas que é fenomenal. As motivação de todos os personagens são absolutamente compreensíveis. Bater na tecla da compreensibilidade parece redundante mas uma das características mais importantes de um autor é sua capacidade de se comunicar com seu público, de dizer o que pretende dizer de forma que isso seja compreendido. Contudo, isso é dever de casa, é o que todos devem ter. Victor Hugo escreve com tamanha intimidade com o leitor que qualquer coisa que ele escreva será boa. Pode até ser desinteressante como uma longa descrição dos esgotos de Paris bem no meio do clímax do livro, mas ninguém pode dizer que não seja a melhor dissertação sobre os esgotos de Paris jamais escrita.

As características românticas ficam bem definidas em sua obra de uma maneira magistral. O homem é sempre o centro da ação, mesmo em seu romance “Os trabalhadores do Mar”, que eu considero mais naturalista, ou seja, onde a natureza tem um papel protagonista, subsiste talvez o seu homem mais romantizado, podemos dizer: o ideal de homem para Victor Hugo.

Por outro lado, talvez ele tenha sido o último grande romântico, já que não faltavam em seus textos as cruezas de um realismo que viria a ser a tônica da geração seguinte de grandes escritores. Mas isso não reduz seu romantismo, muito pelo contrário, o torna ainda mais romântico na medida em que coloca seus colossos românticos num mundo real, num meio onde jamais imaginaríamos encontrar nobreza, honra, coragem, fidelidade e glória. Ideais há muito esquecidos e quem sabe nunca alcançados pelo homem.