terça-feira, 9 de novembro de 2010

“O QUE É VIDA?”: UM RETORNO AO ESTUDO DO SER VIVO - A natureza da Vida - parte 4

Na atualidade começam a surgir novas correntes de pensamento que se contrapõe ao pensamento mecanicista por considerá-lo inadequado para descrever diversos fenômenos naturais, devido a impossibilidade de se reduzir os fenômenos relacionados com vida a leis matemáticas simples. Uma dessas correntes de pensamento é o chamado pensamento holista ou sistêmico ou ainda organicista, que consiste numa tentativa de perceber os fenômenos como um todo inseparável, um modelo científico que se baseia no conceito de relação, que é muito mais amplo que o de análise, como o usado pela ciência clássica. Já não são somente as partes constituintes de um corpo ou de um objeto que são de fundamental importância para a compreensão da natureza desse objeto, mas o modo como se expressa todo esse objeto, e como ele se insere em seu meio. O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. As partes que constituem um sistema têm um notável conjunto de características que se vêem no âmbito das partes, mas o sistema inteiro, o todo - o holos -, frequentemente possui uma característica que vai bem além que a mera soma das características de suas partes (propriedades emergentes). Por exemplo, sabemos que tanto o hidrogênio quanto o oxigênio são constituintes fundamentais no processo de combustão. Mas se juntamos esses elementos e formarmos a água, nós os usaremos para combater a combustão. O Todo não elimina as características das partes, mas estas, quando em relações íntimas, dão o substrato a uma nova forma, cujas características transcendem às das partes constituintes. São nas ciências relacionadas a vida (biologia, ecologia, psicologia, medicina, ...) onde melhor se pode demonstrar esta relação parte/todo em simbiose íntima.
Parte das mudanças de conceitos que devemos adotar incluem a mudança no conceito de ciência onde a ciência, antes estritamente objetiva, torna-se epistêmica (voltada para o próprio processo intelectual de conhecer), já que as teorias revelam mais sobre a mente que a concebe que propriamente da realidade. Toda teoria é um modelo de explicação aproximada da realidade. Parte-se das partes simples, consideradas independentes, para partes em interação, em processo ou em rede. Não é apenas o conjunto de elementos isolados que formam o universo de fenômenos estudado pela ciência, mas a interação, a relação que existe entre esses elementos.[i]
Segue no quadro a baixo as principais características do paradigma sistêmico ao lado das características do paradigma cartesiano. Devemos ainda reforçar o fato de que, até hoje, nenhuma concepção de ciência pode, sozinha, oferecer uma explicação exaustiva do mundo em que vivemos, cabe a nós, ao unir esses dois paradigmas, um novo esforço nessa tarefa.


Quadro 02. Preceitos Cartesianos e Preceitos Sistêmicos

 
Preceitos Cartesianos
Preceitos Sistêmicos
Evidência: a verdade é única e só existe se puder sei provada.
Pertinência: a percepção do objeto está diretamente relacionada á intenção do sujeito.
Reducionismo: divisão dos problemas nas menores, partes possíveis para proceder a sua resolução.
Globalismo: é consciente de que o objeto investigado faz parte de um todo maior, por isso a importância de compreender o funcionamento da parte em relação ao ambiente.
Causalista: institui-se uma hierarquia estrutural para resolução dos problemas. iniciando-se pelas partes mais simples e fáceis e ascendendo para as mais difíceis e complexas.
Teleológico: busca compreender o comportamento do objeto, sem o objetivo de explicá-lo em relação à estrutura física do objeto.
Exaustividade: retoma os três primeiros preceitos e faz uma última análise do objeto. considerando que nada mais existe para ser explorado.
Agregatividade: considera que toda representação é influenciada pela visão de mundo do observador. Por isso, muitos aspectos podem ser omitidos.




Compreender a natureza da vida a partir de um ponto de vista sistêmico ou holista significa identificar um conjunto de critérios gerais por cujo intermédio podemos fazer uma clara distinção entre sistemas vivos e não-vivos. Ao longo de toda a história da biologia, muitos critérios foram sugeridos, mas todos eles acabavam se revelando falhos e incompletos de uma maneira ou de outra. No entanto, as recentes formulações de modelos de auto-organização e a matemática da complexidade indicam que hoje é possível identificar tais critérios. Na atualidade podemos identificar três correntes de saber que se tornam, dia a dia, fundamentais para compreender os fenômenos da vida, apesar de guardar entre si uma diferença marcante, juntas elas podem nos revelar uma visão mais ampla dos fenômenos da vida. São esses três critérios: 1) autopoiese, uma nova concepção do padrão da vida, introduzido por Maturana e Varela, 2) estrutura dissipativa; uma nova concepção de estrutura da vida, introduzido por Prigogine; e 3) cognição, e uma nova concepção do processo da vida, introduzido no estudo da vida, por Baterson e mais tarde por Maturana e Varela.


[i] Brandão e Crema, 1992: 90
 
BRANDÃO, Dênis e CREMA. Roberto. O Novo Paradigma Holístico. São Paulo: Summus Editorial, 1992.
imagem: http://leonidafremov.deviantart.com/art/DEEP-IN-THE-WOODS-AFREMOV-184958375?q=&qo=

5 comentários:

  1. Segundo Nildo Viana, "O nascimento da sociologia ocorreu concomitantemente com o surgimento do holismo metodológico". Durkheim também foi um precursor do paradigma sistêmico. Apesar de Weber defender um individualismo metodológico, também compreendia a sociedade como totalidade social, como resultado das relações entre os sujeitos que a constituem.

    As discussões metodológicas de Bourdieu em "Profissão de sociólogo" apontam justamente para esse problema da objetividade e da vigilância epistemológica em relação ao ponto de vista do próprio pesquisador, tema que Weber também já tinha abordado, mas que já fazia parte das discussões que dariam origem ao pensamento sociológico.

    Acho que você ficaria espantado em saber que os sociólogos discutiram essas questões de forma muito mais aprofundada que os biólogos, porque enquanto para os primeiros esta questão tinha uma importância metodológica fundamental. Por isso mesmo Morin é uma bibliografia básica nesse tema.

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  2. Estou estudando Morim, meio que me ispirei nesse livro "O paradgma perdido: Natureza humana". estou gostanto bastante e eu posso dizer que é quase como se eu estivesse lendo o material para monografia novamente. A idéia e justamente estender esse tipo de pensamento não so na sociologia ou biologia mas na psicologia, medicina, economia, ou qualquer ciencia em que o foco seja os seres vivos. Não porque o modelo sistemico seja melhor, mas o modelo sitemico aliado aos antigos modelos nos da uma compreeção melhor do que a que tinhamos antes.

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  3. Me sinto excluida da vida em sociedade por um fato simples. A vida é o que a maioria acredita ser a vida.
    Eu, particularmente, acredito que a vida é uma série de reações elétro-químicas entre matéria. Mas todos ao meu redor acham que a vida é uma Faísca Mágica que lhes foi soprada por Deus, e mesmo que eu tente argumentar elas continuaram acreditam nesta velha ilusão. A verdade delas será essa, e como são maioria essa será a verdade universal.




    #oremos por essas probres almas.

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  4. Saiba que sozinha você não está. Muitas pessoas compartilham com você esse ponto de vista.

    As massas cairão mais facilmente numa grande mentira do que numa mentirinha. Hitler, Adolf

    Contra a estupidez os próprios deuses disputam em vão. Schiller, Johann Chistoph Friedrich von

    Continue escrevendo e se tiver algo que quereira compartillhar esteja a vontade.

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  5. Seiad,

    É engraçado, porque a maioria das pessoas que eu conheço não acredita que a vida é uma dádiva divina, mas a trata como um fenômeno sistêmico e autopoiético. Esta crença se expressa nos comportamentos, não nas afirmações, que podem ser vazias. A sociedade como um todo crê no mesmo que você crê, porque age dessa forma. Se você diz que crer em outra coisa é uma mera ilusão, quem se fecha para os argumentos é você. Eu creio em Deus e estou em diálogo aberto com esta visão de mundo segundo a qual a vida é só um fenômeno. A vida pode ser vista assim. Se a vida é o que a maioria acredita ser a vida, então qual a verdade sobre a vida? O que vejo hoje é que o paradigma sistêmico é aceito em todas as áreas do pensamento humano. A questão é se ele é realmente sustentável, ou se não passa de mais um desenvolvimento de um pensamento científico que serve para promover o avanço da civilização, e excluir o que atrapalhe esse avanço.

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